– Olá! – disse uma voz no escuro.
– Olá! – respondi.
– Por que estás acordado? – perguntou-me a tal voz.
– Bem, não sei, creio que o sono não veio a mim hoje. Mas espere, quem é você? – indaguei curioso sem me importar com a possibilidade de estar falando sozinho.
– Oh, bem, perdoe minha rudeza, sou a Noite, já nos conhecemos, mas sem apresentações formais, claro. Prazer.
– Ah, sim, claro, agora faz mais sentido. (ainda não fez pra mim, mas relevemos este fato) Como vai a senhora... Hm... Senhorita...?
– Vou muito bem obrigado. Porém estou curiosa. – respondeu-me a Noite – Por que ainda estás acordado, não dormistes nadinha a noite inteira.
– Hum, acho que posso dizer que a culpa é tua. – disse-lhe franzindo a testa para pensar em algum motivo – Estou com, bem, um certo medo.
– Mas o que poderia dar-lhe medo a esta hora?
– Pois ora essa, a senhora... Senhorita. Aliás, é senhora ou senhorita?
– Não sou casada, então senhorita está de bom grado. Diga-me por que temes a mim?
– Não seria a senhorita propriamente dita, dona Noite. É que o problema são aqueles seus companheiros inconvenientes que lhe acompanham com uma frequência estupidamente estúpida, no meu caso em particular pelo menos, os chatos dos pesadelos, não me deixam em paz quando a senhorita dá o ar de sua graça.
– Oh sim! Aqueles chatos! – respondeu-me com tom zombeteiro, irritou-me – Mas também trago os sonhos comigo, não gostas destes?
– Destes eu gosto, são divertidos. – respondi ainda indignado por ter sido zombado.
– Então durma para que eles possam lhe visitar.
– Quem garante que não serão os pesadelos? – já me estressando com a insistência dela para que eu dormisse.
– Ninguém, mas e se forem, qual o grande problema deles? Sabia que são os irmãos dos sonhos? – agora seu tom era quase maternal ao defender os chatos dos pesadelos.
– Ora, pois, eles são medonhos às vezes, também incomodam muito depois que eu acordo, pois demoram a sair de minha mente, são chatos como a senhorita mesmo disse!
– dessa vez a abusada soltou risadas do que eu havia dito. Isso realmente irrita.
– Mas aposto que o senhorzinho emburrado ai não sabia que a chatice dos pesadelos pode ser útil. Não é mesmo? – quem ela estava chamando de emburrado? E falar que os pesadelos são úteis é algo quase tão estúpido quanto eles próprios.
–Como ser perturbado durante meu sono pode ser algo útil hein, dona Noite? Tudo que tenho conseguido com isso são noites (eita conversinha estranha essa) mal dormidas. Peraí, posso falar noites ou devo dizer senhoritas, sabe, pra ser educado.
– Noites. Pois olhe, o que são os pesadelos, meu garoto? Responda-me e lhe digo sua utilidade. – mais essa agora! Tenho que dar definições! – Hum, a senhorita sabe, são coisas que dão medo e incomodam, mais do que eu diria que é saudável caso eu encontre com um deles andando por ai... O que isso tem haver com a conversa?
– Tudo se você quer saber! – juro que se ela tivesse rosto estaria fazendo um biquinho agora! – Os pesadelos não te causam medo nem incomodo algum! Eles apenas os expõe para que você saiba quais são mesmo sem ter que deparar-se com eles no caminho. Apenas lhe mostram o que há dentro de você lhe incomodando, então, tecnicamente, quem incomoda você é você mesmo! – vixe, essa dona ai agora ta me deixando confuso.
– Então eu sou o culpado por estar dormindo mal? Não creio que eu seja tão idiota a este ponto. – que Noite pirada essa, ou eu quem não estou entendo...
– Não, você não é o culpado, mas sim aquilo que você sente e não sabe dizer o que é. Assim como os sonhos mostram aquilo que lhe agrada, ou diverte como você disse, os pesadelos mostram aquilo que lhe assusta ou preocupa, são um reflexo do interior da tua mente e coração. – o pior é que a senhorita Noite está certa, mas vou chateá-la mais um pouco.
– Ah, então são espelhos chatos! – quase soltei um riso, mas não achei graça de minha própria piada, revoltante.
– Não se faça de idiota, idiota. Assim como eu venho para mostrar um lado do mundo que se esconde na presença de meu colega esquentadinho, os sonhos e pesadelos existem para mostrar diferentes partes de você, suas diferentes faces internas. – senhorita esperta essa Noite.
– É, até que faz sentido sim. Um prazer conversar contigo, o seu amigo esquentadinho está começando a aparecer ali no horizonte e por alguma razão bem energúmena o sono está começando a me acertar por aqui. – conversa estranha, mas esclarecedora essa – Prazer em lhe conhecer formalmente senhorita Noite.
– Prazer, garoto. Espero encontrar-lhe dormindo quando eu voltar, se não mandarei os pesadelos te visitarem de propósito. Tchau.
E a senhorita foi embora assim que os primeiros raios do Sol despontaram no céu. E por aqui fico, mas vou dizer-lhes, conversar com a dona Noite até que foi legal, afinal ela é apenas o dia com uma luz mais pálida e temperatura baixa, não sei por que existe gente que não gosta. Até a próxima.